quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Aconteceu na vida real - A pergunta inusitada no balcão da Justiça Federal

Essa é só para quebrar o clima sério que anda imperando aqui no blog ultimamente.
Trabalho em uma secretaria de vara da Justiça Federal. Lá correm vários processos. Pode acontecer que, se você tiver um processo na Justiça Federal, ele esteja em minhas mãos. Às vezes, você pode se impacientar com a famosa morosidade do Judiciário e comparecer lá na vara, querendo que, por favor, agilizem seu processo. Outras vezes, você só quer entender seu processo sem estar na companhia do seu advogado (em quem afinal você não confia mesmo). Aí você também pinta lá na vara.

Para atender você e tantas outras pessoas, temos "o balcão". "O balcão" é mesmo só um balcão, uma bancada com tampo de mármore preto, com janelas de vidro que abrimos para sinalizar que o atendimento ao jurisdicionado (que é mais uma palavra bonita que inventaram para quem espera o Judiciário) está em funcionamento. "O balcão" teve seu sentido ampliado para designar também o dia em que cada servidor está responsável por atender as pessoas que buscam informações. "Fulano está no balcão" significa que hoje aquele servidor descascará todos os abacaxis ou pepinos relacionados ao atendimento ao público.

Um dia, estava no balcão. Devo confessar que não me encontrava de bom humor. O trabalho cansa um pouco, porque, como às vezes tenho de falar com pessoas que não possuem formação em Direito, fico procurando formas de explicar que tornem aquele processo compreensível para elas.

Nesse dia, estava esperando por esclarecimentos meus um senhor miudinho de talvez quarenta anos. Parecia o que se costuma chamar "pessoa humilde". O jeito ansioso com que ele me olhou me deixou um pouco apreensiva. Será que esse vai dar trabalho?, perguntei aos meus botões. Depois constatei que ele só era, em bom cearês, muito agoniado.

Abri o volumoso processo. Tentei entender o que aquele senhor me perguntava para poder dirimir suas dúvidas. Folheei e folheei, compreendi em que pé a ação estava, explanei:

- Olhe, infelizmente não é só o senhor que está pedindo aqui para ficar no processo no lugar do seu pai, já que ele faleceu. Tá vendo essa outra pessoa aqui? Isso, essa Filirmina Feitosa dos Santos. Não, não, ela não está querendo o seu dinheiro, ela quer também substituir o pai dela, que faleceu, e receber o crédito que é devido a ele. O dinheiro devido ao pai do senhor é outra coisa... Não, não se preocupe, é outra coisa... Pois bem, é preciso, o Código exige, que o INSS tenha vista desse pedido dela aqui. É por isso que vamos mandar o processo para lá. Depois, quando ele voltar, o juiz despacha o seu pedido e o dela.

O tal senhor não só era agoniado como precisava de muitas confirmações. Repeti a mesma explicação mais três vezes. Finalmente ele sorriu, agradeceu, e respondi "de nada", já me preparando para levar o processo de volta. Mas eis que ele me interpelou:

- Posso fazer só mais uma pergunta?

Senti um desânimo. Ainda não acabou? Depois de dizer quatro vezes a mesma coisa?

- Pois não.

Então ele se afastou do balcão, me deu as costas, e, olhando por cima dos ombros, enquanto puxava sua camisa, perguntou:

- Eu tô cagado?

Minha reação eloquente a uma indagação dessas foi:

- Hã?

Ele repetiu:

- Eu tô cagado?

Ah, então as coisas se resumem a isso, pensei. Eu, Ana Raquel Montenegro Assunção, graduada em Direito e Letras e pós-graduada em Linguística, ex-professora de inglês e agora técnico judiciário da Justiça Federal, eu, no exercício de minhas funções junto ao Judiciário, estou sendo indagada em pleno balcão se o cidadão que se encontra na minha frente borrou suas calças.

Relutantemente, baixei o olhar para a área que ele apontava. Respondi ainda hesitante, porque enfim não queria de fato aferir a situação daquele senhor, mas, por outro lado, se ele realmente estivesse cagado e não soubesse, era bom avisá-lo:

- Não.

Ele suspirou aliviado.

- Ufa!

E emendou:

- É que, quando vim no elevador, o pessoal tava me olhando meio estranho, e pensei, "puxa vida, será que tô cagado?"

Sorri sem graça, peguei o processo que iria para o INSS, e assegurei-lhe:

- Não, não está.

Ele saiu todo serelepe. Só então comecei a rir.
É, dessa vez, a história aconteceu comigo. Assim mesmo, tintim por tintim.

:o)

4 comentários:

Anônimo disse...

Rarararará!
Queria que esse senhor pequenino e bem-resolvido tivesse aparecido num 'balcão' meu.
Beijão.
ICL

José Arlindo Júnior disse...

rsrsrsrs

"rs" é pouco pra transmitir a minha sensação ao ler esse post!

Meu Deus do céu! Só na 4ª Vara mesmo!! heheheeh

Ah! Ressalte-se a importante definição de balcão. Em seu prisma objetivo significa "uma bancada com tampo de mármore preto, com janelas de vidro " e no subjetivo "o dia em que cada servidor está responsável por atender as pessoas que buscam informações".

hehehehe

Anônimo disse...

adorei. estive na jf hoje e simplesmente parece que estava vendo a cena, lendo sua narrativa.
henrique.

Anônimo disse...

rarararararararará...

hilário!!!

um dia vou lá...

:-)

V.