Está em todo lugar. Depois de uma tentativa frustrada de
relacionamento à distância, uma amiga reencontra, quase um ano
depois, o rapaz que a rejeitou. Ela não está mais apaixonada, então evade as investidas súbitas
dele. Em virtude disso, eles se desentendem. Ele vai embora para a
cidade dele, mas gasta semanas enviando mensagens para minha amiga. Ela
própria me escreve uma, dizendo mais ou menos assim: "Homem gosta de
mulher ruim mesmo, viu? O fulano agora tá todo apaixonado."
Em
outra oportunidade, conversando com uma conhecida, sou apresentada a
uma faceta oposta. "Mulher não gosta de homem bonzinho demais," ela
sentencia ao me relatar que tinha cansado de uma relação em que o
namorado, morto de apaixonado, fazia o que ela queria. Ela terminou,
curtiu a vida, mas descobriu que era com quem ele que queria dividir o futuro. Casaram-se então.
Eis que leio
este texto do Ivan Martins, que saiu na semana passada. Depois de descrever pequenos prazeres a dois, ele emenda:
A gente não aproveita o suficiente essas coisas, eu acho. Um tempo
enorme do nosso convívio é gasto ralhando com o outro sobre que ele ou
ela fez de errado, ou se queixando do que o mundo lá fora fez com cada
um de nós. Outra parte imensa do nosso tempo é perdida em tristezas sem
razão, em suspeitas sem fundamento, em angústias de origem desconhecida,
em culpas que nos perseguem como assombrações sem solução. A gente não
gasta tempo suficiente com o corpo do outro, com o coração doce do
outro, com a mente inquieta e criativa do outro. A gente não aproveita o
outro como poderia, eu acho. Noites de Inverno, Ivan Martins, Revista Época, atualizado em 1/8/2012.
E
aí chego numa conversa que tive com a Pessoa Inteligente há quase dois
anos talvez. Porque atravessava outra crise de relacionamento, reclamei
da natureza humana quando, injuriada com essa nossa necessidade de caos,
perguntei a ela por que cargas d'água a gente precisa sentir Falta. Ela ponderou que o problema não era a Falta. Se parássemos para ver, a
Falta move a humanidade. Por causa dEla, saímos do lugar para suprir o
que não está lá. A questão naquele momento era outra. A questão é que as
pessoas não possuem maturidade para manter o que têm.
A questão é que nós não sabemos ter.
Essa
é a verdade por trás da crença popular de que a gente precisa perder
para dar valor. Talvez esse pensamento até tenha cruzado sua mente ao
ler o exemplo da minha amiga e da conhecida. É claro que há, nesses dois
episódios, mais aspectos a ser considerados, como, por exemplo, as
relações de poder que foram estabelecidas dentro do relacionamento
amoroso dessas pessoas. Mas, lá no fundo, existe também esse problema,
esse nosso defeito congênito (nas palavras da Pessoa Inteligente) de não
sabermos ter. O carinha não soube ter minha amiga. A conhecida não
soube ter o namorado. O carinha e a conhecida sucumbiram a inseguranças,
dúvidas e insatisfações em vez de transcenderem a confusão mental e
emocional e administrarem o que tinham.
Posso
confessar uma coisa? Morro de medo de não saber ter. Morro de medo de
desperdiçar uma coisa boa porque não soube administrar o que tinha.
Minha estratégia é apreender, nos meus momentos de maior lucidez (que
acontecem mesmo é no divã da minha psicanalista), tudo o que me é caro e
querido e valoroso. Quando as tormentas chegam, isso me serve de
bússola. Tenho a lembrança do que quero manter e vou atravessando a
tempestade. Um dia, o céu se abre. Aí a gente curte o Sol que a gente
tem.
p.s.: O título desta postagem é também uma adaptação do nome da obra de Marcelo Cândido,
Eu não sei ter, editora Virgiliae
. Comprei
esse livro no ano passado, justamente por causa do título que levava. É
uma incursão interessante ao universo masculino.