terça-feira, 20 de outubro de 2009

Para se emocionar, aprender, sorrir e divulgar

Imagine ter um homem que lhe escreve emails como este:
Data: 17 de novembro de 2006 16h54min0s GMT-02:00
Para: Cristiana Guerra
Assunto: minha raquete nova

Hoje ganhei uma raquete nova.
Minha raquete nova é bonita, é bonita.
Quem me deu minha raquete nova foi o meu amor.

meu amor de raquete que meu amor me deu de gostosa que ela é

um beijo

outro beijo
um beijo
outro beijo
outro beijo
um beijo
beijo outro


amorzinho, eu te amo, viu?

Hoje é aniversário do Café com Letras. Vai ter festa a partir das 18:00 com a Gabi tocando. Vamos dar uma passadinha por lá? só pra dar uma saidinha.

bjbjbjbjbj

Ou como este:
From: guifraga
Date: Tue, 14 Feb 2006 10:20:05 -0200
To: Cristiana Guerra
Subject: dia lindo

amor, o dia tá lindo lá fora.
quando der, dê uma olhadinha pela janela, eu vou estar olhando também,
aí nos encontramos na beleza de tudo que a gente vê.

um beijo bom, amor. G

Imagine que você se descobre grávida desse homem, quando você já tinha colocado na cabeça que ser mãe não faria parte de seu futuro. Você conta esse dia assim:
[...] Parei o carro no mesmo lugar de sempre e, no caminho a pé até o local do exame, me lembrei de como eu e seu pai disfarçávamos a ansiedade antes de cada ultrassom. O primeiro deles foi o mais difícil. Insegura devido a dois abortos que tive no meu outro casamento e depois de ter tido um sangramento, eu tentava preparar seu pai para o pior. Nem deixei que ele curtisse inteira a delícia de saber que ia ser pai, tamanho era o meu medo de que ele sofresse uma decepção. Esperamos bastante até ser atendidos, mas na hora H vimos uma coisinha de sete milímetros cujo coração batendo se fazia ouvir em alto e bom som. Era você. Eu me lembro que seu pai segurava nos meus pés descalços e apertava meus dedos, enquanto eu chorava por finalmente ter “chegado lá”. Um outro coração batendo dentro de mim, isso era milagre. Ele chorou também, eu sei. E saímos do consultório como dois adolescentes. Nos abraçamos na porta e choramos mais, misturando soluços e risadas. No caminho de volta para o carro, um desses momentos em que a gente sabe direitinho o que é felicidade: aquele espaço rápido entre uma ansiedade e outra, entre um problema e outro, em que tudo parece perfeito. E é.

Então imagine que, restando dois meses para seu filho nascer, esse homem falece repentinamente, de um mal que nunca supôs ter.

Como dar a volta por cima?

É o que Cristiana Guerra faz todos os dias, compartilhando esse processo no blog para Francisco. Francisco é o lindo bebê que vai ganhar da mãe um dos blogs mais emocionantes que já vi. Cris explica o propósito do site dessa forma:
Um homem tem morte súbita, dois meses antes do nascimento do seu único filho. Assim nasce este blog. Tentando entender e explicar dois sentimentos opostos e simultâneos vividos pela viúva e mãe que, no caso, sou eu. Muitos questionamentos. Muitos raciocínios. Muito aprendizado. E uma pressa em falar para o Francisco sobre seu pai, sobre o mundo e sobre mim mesma (só por garantia).
Ainda estou lendo os textos de 2007, mas já descobri neles doçura, amor, dor e vontade de viver. Tudo expresso da forma mais sincera e singela. A cada post lido, fico admirada com a coragem de Cris Guerra. Coragem de assumir pensamentos ou dias ruins, como em Eu, rio de mim, Universo ao meu redor e Afogando. Coragem de viver e ser feliz, como em O ano da minha vida, Como música e em todos os outros posts que estão lá.

Quando escrevi a "resenha" para Up - Altas aventuras, deixei de comentar que o filme tocava um coisa que dói em mim antecipada e desnecessariamente, haja vista que é sentida por algo que nem aconteceu. É que sempre me compadeço da dor da viuvez. Graças a Deus, ainda não experimentei perder pais, irmão, tios ou primos. Tenho medo absoluto dessa dor. Mas a dor de perder marido ou esposa me parece tão... profunda. É dor diferente, é dor de perder alguém com quem você escolheu passar o resto da vida. Você escolheu. Não lhe foi dado, como lhe foi dado o pai, a mãe, o irmão, o tio ou o primo. Você escolheu. E lhe foi tirado. Achei no blog da Cristiana a expressão mais concreta desse sentimento no seguinte post:

O nome da dor

Eu tive pai e mãe. E os perdi cedo, conheço essa dor. Para mim, a perda do seu pai dói muito diferente. Ele não era de onde eu vim. Era para onde eu ia.

Puxa.

Depois de tudo, desnecessário dizer, mas aí vai de qualquer forma: vale muito a pena conferir.

p.s.: Dando crédito a quem o merece: descobri o para Francisco no Blog da Silmara Franco.

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