sábado, 26 de fevereiro de 2011

Aconteceu na vida real - Quando atendi Nostradamus

Esta história não tem nada de extraordinário, mas serve para ilustrar a variedade de pessoas que atendo na Justiça Federal.

O telefone tocou.

- Justiça Federal. Bom dia. - Falei por entre duas torres de processos que se acumulavam sobre minha mesa. Era semana de mutirão de audiências, e os acordos homologados me esperavam concretizar seu resultado expedindo as requisições de pagamento devidas.

- Bom dia. Olha, aqui é do interior e é um idoso. Você pode me informar sobre meu processo?

Em regra, a resposta de praxe é que não podemos transmitir dados sobre processos por telefone. Para isso, temos o atendimento ao público todos os dias e a consulta processual no site da Justiça. No entanto, não é razóavel tirar um velhinho de sua cadeira de balanço, provavelmente colocada num alpendre cheio de gaiolas com bem-te-vis, galos de campina e sanhaços, e colocá-lo num ônibus para Fortaleza, somente para saber o estado em que sua demanda se encontra.


- Me diga o número do processo, por favor.

Abri a tela da consulta processual. Acabou que o velhinho tinha dois processos na nossa vara. Descobri que o segundo é que importava. Expliquei a situação dele. Havia acabado de retornar da Contadoria para fazer o cálculo, o advogado do senhor já tinha retirado o processo da vara para se manifestar, assim como o réu também já havia tomado ciência da nova conta, e agora só faltava ir para a mão do juiz para julgar.

Na verdade, todo aquele relato era de conhecimento do velhinho. Percebi isso quando ele quis mostrar o que já sabia repetindo tudo o que eu informara, acrescentando ainda as datas das movimentações. Vai ver que naquele alpendre em que ele passa as tardes havia computador com internet também.

- Quer dizer que ainda vai pro juiz, é? - Ele quis confirmar.

- Sim, mas isso é bom. É sinal de que está mais perto do que longe para o processo terminar.

- Pois é, minha filha, é que esse processo é de 97, num sabe? Se eu não estivesse aperreando, não iria para frente.


Tentei consolá-lo:


- Olhe, mas já está pertinho. E se eu disser pro senhor que tem é processo mais antigo ainda? A gente tá fazendo um mutirão para acabar com um monte de processo que é de 93.


Claro que isso não era consolo. A inutilidade do meu comentário se revelou quando ele começou a contar a história do processo de novo, sempre relembrando que a ação fora ajuizada em 97. Respirei fundo. A experiência me ensinou que, nessas horas, é melhor só ouvir.

Então ele me surpreendeu com a seguinte informação.

- ... desde 97. E próximo ano é ano bissexto.

Franzi a testa. Isso importava por quê? Impeli-o a continuar com um sim meio hesitante. O velhinho explicou:

- Pois é, é ano bissexto, e o pessoal tá dizendo que o planeta vai sofrer umas mudanças, num sabe? Já começou na verdade, né? Essas coisas que aconteceram no sul. Aí ninguém sabe o que vai acontecer com o planeta, né? 2012 e ano bissexto. E eu já tenho 72 anos.

Diante de um agouro desses, pensei em tentar alegrar um pouco as coisas. Me ocorreu brevemente comentar que 2012 não devia ser um ano tão ruim assim porque, segundo os guias espirituais, a partir dele se instaura um novo paradigma no qual o homem buscará entrar em contato com a Consciência. Desisti por motivos óbvios.

O velhinho continuava:


- ... já tenho 72. E eu tenho medo de esse pagamento não sair antes do próximo ano, num sabe?

Para depois arrematar, meio entre risos:


- É que eu sou meio profeta, num sabe?

Lembrei dos processos que me aguardavam e decidi não comentar ou perguntar. Após desligarmos o telefone, pensei que aquela tinha sido a justificativa mais interessante que já ouvira para um pedido de agilizar o andamento de um processo.

E que a gente escuta cada uma...
Essa aconteceu nesta semana. Dando crédito a quem o merece, chamar o velhinho de Nostradamus foi ideia do Dinho.

2 comentários:

b arrais disse...

Hehehehehe! Genial esse velhinho! Bota o processo dele no topo da pilha, Raquel! :)

Garota D disse...

Muito boa a história! Vou ficar aqui na torcida pelo Nostradamus!