quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

On Chesil Beach

Esse foi o primeiro livro que li neste ano. A história de sua descoberta é bem simples. Em 2007, assisti ao Desejo e reparação, filme baseado na obra Atonement de Ian McEwan. Fascinada pela trama, comprei o livro, e nele havia o anúncio do trabalho seguinte, On Chesil Beach. Desde então, tentei sem sucesso encontrá-lo nas livrarias daqui. Cheguei a comprar o romance pelo site da Saraiva, mas passou o tempo hábil para postagem do produto e cancelei o pedido passado em brancas nuvens.

Aí descobri a Fnac.

E em uma estante da Fnac, havia um Chesil Beach à espera.

Virei fã de Ian McEwan. Quando era criança, sonhava em escrever um livro. Hoje minha principal desculpa para nem tentar é dizer que não tenho imaginação suficiente para compor uma história interessante, plena de eventos, transbordando de fatos e aventuras e emoções. No entanto, Ian McEwan me mostrou que basta um dia na vida de duas personagens para se escrever um romance. Nesse dia, não há mortes, guerras, vilões ou surpresas mirabolantes. Nesse dia, só existem dois recém-casados, virgens ainda, preparando-se para sua noite de núpcias enquanto desastrosamente alheios aos anseios e medos de cada um. Nesse dia, um drama mundano se desenvolve e envolve o leitor precisamente em virtude dessa despretensão de ser épico.

Enquanto lia, o que mais me chamava a atenção era a ausência de comunicação entre os noivos. Não é que não se falavam; simplesmente não falavam o que deveria ser dito. Pressupunham e interpretavam erradamente os gestos de cada um. O trágico é que isso se torna cômico. Cômico que retorna a ser trágico em virtude das consequências desses mal-entendidos. Trágico que se torna incômodo por causa do espelho que nos fornece de nossas próprias relações: afinal quem nunca presumiu e interpretou errado o que o outro queria? Incômodo que se transforma em trágico novamente, pois calar quando se deveria falar pode afetar o curso de uma vida inteira.

E no fim, o fim não é trágico. É apenas a vida, no sentido mais resignado de C'est la vie. Permanece somente um aviso sobre o preço que se paga ao não se lutar contra a inércia, ao se resistir contra um movimento que poderia salvar tudo ou alguma coisa naquele momento.

Mais tarde, descobri que o livro saiu em português com o título Na Praia. A sinopse que encontrei é a seguinte:

Inglaterra, 1962. As profundas mudanças na moral e no comportamento sexual que abalariam o mundo ao longo daquela década ainda estão em estado de gestação. Edward Mayhew e Florence Ponting, ambos virgens, se instalam num hotel na praia de Chesil, perto do Canal da Mancha, para celebrar sua noite de núpcias. Ele é um rapaz recém-formado em história, de origem provinciana; sua mãe tem problemas mentais, e o pai é professor secundário. A noiva é uma violinista promissora, líder de seu próprio quarteto de cordas, filha de um industrial e de uma professora universitária de Oxford. O desajeitado encontro íntimo desses dois jovens ainda marcados pelos resquícios da repressiva moral vitoriana é repleto de lances cômicos e comoventes, configurando uma autêntica tragicomédia de erros. Na praia, entretanto, vai além disso. Por conta da refinada arte narrativa de Ian McEwan, o drama dos recém-casados transcende o registro particular e o retrato de época para alcançar a dimensão de uma obra universal sobre o momento da perda da inocência, essa expulsão do paraíso que é um ponto de inflexão na vida de todo indivíduo.

A homepage do autor Ian McEwan pode ser acessada em http://www.ianmcewan.com/

Devaneio à la post scriptum.: Embora o evento principal seja a noite de núpcias, há flashbacks que revelam a formação de Florence e Edward. Será que me enganei ao ver indícios de que Florence foi vítima de uma relação incestuosa no passado?

7 comentários:

Garota D disse...

Acho que às vezes nós superestimamos demais os autores e nos substimamos demais. Escrever um livro também é um desejo meu, mas acho que decidi que quero que seja uma historia minha bem vivida e aproveitada. É como você disse, não precisa de reviravoltas, de vilões, mistérios ou superpoderes. Os boas histórias são também aquelas que nós desejamos ter vivido.

Anônimo disse...

Eis um ex-poeta.
Meu sonho sempre foi escrever um livro de poesias, mas leio alguns autores e vejo-me sem imaginação e mesmo sem conhecimentos iniciais sobre métricas, rimas e outras coisas...
Quanto ao On Chesil Beach, é um livro delicioso e revelador de um momento... não é fácil transbordar tanta vida em uma história de um dia!
Ah... as FNACs são excepcionais livrarias....

Raquel disse...

Ah, está aí uma verdade: realmente é a história de uma vida em um dia. Obrigada pelo comentário.

Alexandre Kovacs disse...

Raquel, obrigado pelo link para o meu mundo, já devidamente retribuído. Ian McEwan é um excelente começo para um blog e estarei acompanhando com interesse. Parabéns.

Alexandre Kovacs disse...

Raquel, com relação ao seu comentário lá no "Mundo de K", o enquadramento entre conto, novela e romance é de difícl definição. A novela seria um romance de estrutura narrativa mais simples. Como exemplo teríamos "O Alienista" de Machado de Assis, ou o último lançamento de José Saramago, "A Viagem do Elefante". Em ambos os casos temos uma estrutura um pouco mais complexa que a utilizada em contos, porém menos detalhada que no gênero romance. O próprio Saramago define o seu último trabalho como conto.

Com relação à personagem Florence é bem possível que a aversão sexual tenha um fundo de origem em relação de abuso sexual ou incesto como você bem comentou.

Mais uma vez obrigado pela presença e volte sempre.

nostodoslemos disse...

Boa tarde!

Lembro a fala de Paulo Freire: 'escrever se aprende escrevendo'.
Somente praticando temos condição de nos aperfeiçoarmos.
Gostei do espaço criativo.
Sucesso!

Raquel disse...

Oi Lígia! Obrigada por comentar.