sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A princesa e os bichinhos de esgoto

Querido diário, 

Sinceramente, não sei o que está acontecendo com o pessoal lá da Vara. Só neste mês, vi dois processos despachados errado (e tive de corrigir os dois!), e outros localizados em escaninhos que não tinham nada a ver com a movimentação processual. Acho que o pessoal está muito desmotivado. Fico pensando no que falar com o S., porque alguma coisa deve ser feita para mudar a situação. 
Caso escrevesse diário, esse seria o texto de cerca de duas semanas atrás. Se ainda me encontrasse na adolescência, tudo o que é pano de fundo psicológico dessa passagem até que seria compreensível. No entanto, já carrego meus trinta anos nas costas, e o tempo que me separa da Ana Raquel adolescente não deu conta de me fazer diferente em um aspecto.

Percebi que, com essa visão da realidade, me coloquei na posição de A Única competente no meu ambiente de trabalho. Ao constatar os despachos inadequados, não repassei os processos para as pessoas que haviam se enganado; pelo contrário, corrigi os erros em silêncio. Desse modo, privei meus colegas, tão capazes quanto eu, da oportunidade de refazer sua análise e reparar o equívoco. Agi como se tudo estivesse nas minhas mãos.

O problema com essa postura foi evidenciado quando uma emoção que raramente sinto porque frequentemente a contenho chegou abalando as estruturas. Raiva. Muita raiva. Desmedida e desproporcional. Até quis colocar a culpa na TPM, mas não deu. A raiva estava ali, naquela dimensão desarrazoada, porque minha prepotência falava mais alto. Sentia que somente eu levava o trabalho a sério. Apenas eu  investia nele apesar da chatice da rotina. Senti muito além do que devia porque me senti muito além do que sou.

Subi num pedestal em alguma época da minha vida e esqueci de descer. Neste exato momento, minha dificuldade em delegar tarefas me vem à mente, e me pergunto quanto dela existe porque penso que somente eu dou conta do recado. Lembro de como assumia os trabalhos em grupo no colégio, de como distribuía meio pesarosa as tarefas entre os colegas, pensando que eu devia ser mesmo a mártir e fazer tudo sozinha pelos outros. Caraca. E cheguei a acreditar que não tinha questões de controle, rs.

Sabe o que é o bom nisso tudo? A vida é uma baita professora. Gostaria muito de aprender lições sem precisar que ela me ensinasse, mas isso raramente ocorre. No caso em particular, além de já estar lidando com a percepção do que se passava, aconteceu que EU errei feio também no trabalho. Então minha colega veio muito tranquila me mostrar o erro, e discutimos qual seria a solução. Simples assim. 

Por último, explico o título da postagem. No segundo ano do ensino médio, assistíamos a uma aula de História quando a professora fez uma pergunta. Bodejei a resposta. A professora, que devia ter curso de leitura labial, entendeu e pediu que eu falasse mais alto. Recusei sorrindo e sem graça. Ela perdeu a paciência e exclamou que não sabia quando eu ia perceber que não era uma princesinha, e o resto da sala, uns bichinhos de esgoto.

Pense numa sacada. Só vim entender quatorze anos depois. 

p.s.: O jeito como comecei esta postagem me lembou este post, que também remete à minha adolescência.

2 comentários:

Luciana disse...

Ave!! Que professora má!! Kkkkk!!

Falando sério, também tenho aprendido umas lições de humildade. Justo eu, que me achava tão sensata e nada arrogante... :-P

Nívia disse...

Me identifiquei muito com isso! Já passei por tantos momentos controladores assim! E, antes sem perceber, vivia o paradoxo de ser complexada e ao mesmo tempo me saber mais inteligente que os que estavam a minha volta... Caramba! Foi um lento e doloroso processo o de perceber e de tentar mudar. Confesso que melhorei um pouco, mas às vezes ainda me impaciento (no estilo "tolerância zero", mas aí a "unidade" cai...rsrrs). A vida é mesmo uma dura e excelente professora, mas pra quem gosta de aprender, os frutos são deliciosos!