sexta-feira, 6 de julho de 2012

A loja de experiências (parte II)

(parte I aqui)

(continuando...)




Um frasquinho guardava uma nuvenzinha tão vermelha e nervosa que chamou sua atenção. Ficou na ponta dos pés para ler a etiqueta:

Experiência 127846

X relata sua conduta em um ambiente de trabalho hostil e de que como foi traída por pessoas em que confiava. Motivo indicado por X para a venda desta experiência: “Quero que as pessoas aprendam a não ser ingênua como fui e que consigam vencer na vida.”

Especulou se o fornecedor dessa experiência conseguiu afinal vencer na vida. Aquela era uma lição provida por alguém que amarga derrotas até hoje ou que colhe os frutos do seu aprendizado?

Sentiu um certo incômodo e o lampejo de um pensamento por demais fugaz para se fazer concreto em sua mente. Restou a certeza de que era uma dúvida sobre o que viera fazer ali, mas o raciocínio se perdeu antes de tornar-se claro.

A terceira etiqueta que leu falava de como o fornecedor enfrentara a morte de um ente querido. Essa lhe pareceu mais útil. A inevitabilidade da morte assegurava que aquela era uma experiência válida de ser experimentada por mais desagradável que fosse. Desistiu, no entanto, quando estendeu a mão para pegar o frasco em que a fumaça negra era quase líquida. Não parecia certo comprar essa experiência. Havia um motivo por trás dessa hesitação, mas não soube precisá-lo porque de novo o pensamento lhe escapara antes de totalmente formulado.  

Algumas etiquetas depois, percebeu que não vira ainda alguma experiência boa, feliz e salutar para vender. Havia desilusões amorosas, decepções, conflitos familiares. Aos montes. Colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça. Sentia-se ligeiramente frustrada.

– E aí? Já escolheu o que vai levar?

Era a moça que tinha voltado e que a aguardava com um ar também ligeiramente impaciente.

– Não tem nenhuma experiência alegre? – perguntou sem esperanças.

– Bom, tem aquela ali.

A moça apontou para um frasco que ficava na prateleira mais próxima ao chão, perto da porta de saída. Dentro dele, uma fumacinha dourada cintilava.

– Ah, finalmente um raio de luz em meio às trevas – brincou sério enquanto se agachava para ler a etiqueta.

Experiência 561493

X relata certos obstáculos que enfrentou e venceu. Motivo indicado por X para a venda desta experiência: “Quero mostrar que somos responsáveis pelas dádivas que recebemos na vida.”

O lampejo de novo, mas desta vez agarrou o pensamento antes que fosse, e ele tomou forma e fez sentido. Não adiantava comprar aquelas experiências em busca de sapiência e fuga da dor cotidiana. Em primeiro lugar, nada garantia que não cometesse os mesmos erros que os fornecedores caso deparasse com alguma situação semelhante. A equação era até simples: ela era diferente daquelas pessoas, logo não carregava consigo as mesmas variáveis que influenciaram nas escolhas que os fornecedores fizeram – ou que continuavam a fazer, mesmo depois de engarrafar suas memórias e sentimentos. Quem poderia assegurar que os fornecedores aprenderam com seus erros? Quem poderia assegurar que ela aprenderia? Pelo modo como apresentavam seus motivos para a venda das experiências, todos pareciam derrotados que se esforçam para revelar erros em batalhas que desistiram de travar. 

Todos exceto o fornecedor da única experiência alegre.

Em segundo lugar, talvez nada substituísse o valor de uma experiência unicamente sua. Ou talvez nada acolchoasse golpes inevitáveis da vida tais como a morte. Talvez erros devessem ser cometidos. Talvez todos tivessem de aprender a conviver com uma ausência. Ninguém ali incentivava os compradores a realmente viver.

Ninguém exceto o fornecedor da única experiência alegre.

Ninguém exceto o fornecedor da única experiência alegre e ela.

– Eu decidi o que eu quero – anunciou à moça.

– Você vai levar essa aí? – indagou a moça enquanto se aproximava da prateleira perto da porta.

­– Não. Quero vender a minha experiência de ter vindo aqui hoje.

Sentiu uma enorme satisfação em ver a moça atônita.

– Eu posso vender, não posso? – perguntou doce e sonsamente.

­– Claro, claro – respondeu a moça enquanto se encaminhava para um minúsculo balcão no canto da salinha. – A senhora vai preencher primeiro uma ficha dizendo por que a senhora quer vender essa experiência. Depois a senhora me acompanha ali pra dentro e a gente faz o procedimento e descreve a experiência para constar na etiqueta – explicou a moça ao vasculhar uma gaveta, achar um bloquinho de papel e destacar uma folha. 

– Aqui está – a moça foi solícita e entregou uma caneta juntamente com a ficha.

– Obrigada – disse enquanto preenchia o campo indicado entre aspas.

Motivo indicado por X para a venda desta experiência:

“Quero que as pessoas vivam.”

E seguiu a moça para além da outra porta do recinto. 



Obs.: Prontinho! Agora é colocar a cachola pra funcionar e revisitar a loja de experiências. Bora ver se o texto sai logo, né? :o)

2 comentários:

Anônimo disse...

Ow! Visita logo de novo o diabo dessa loja! rsrs
Bjo
ICL

Raquel disse...

ICL, até que as ideias estão vindo, mas quem disse que arranjo tempo pra escrever?
bjo