quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Desfragmentos


Um dia, descobriu que não gostava daquela imagem. Resolveu que ia desmontar o quebra-cabeças. Para celebrar a decisão, desafiaria seus limites por cada peça que descartasse. Pegou as chaves de casa, calçou os sapatos e saiu para o mundo com a gravura de quinhentos pedaços e um compromisso.

Então quinhentos atos de loucura preencheram seus dias. Girou o Sol em pés descalços. Uma peça a menos. À deriva, cantou estrelas num mar morno. Outra peça a menos. Brincou de fada na esquina de um sonho. Lá se foi outro pedaço do quebra-cabeças.

Enfim, restou apenas uma peça, guardada em sua mão. Hora de dizer adeus. Só precisava descobrir como.

Caminhou no pé ligeiro. Vida não espera. Apertou a peça contra a palma da mão e sentiu a resposta. Vai. Atravessou a rua. Subiu a calçada. Passou uma árvore e uma borboleta. Acompanhou o quarteirão. No fim, deu de cara com Ele. Ele, que a olhou nos olhos. Ele, que mostrou uma peça de quebra-cabeça (a última também!), jogou-a por cima do ombro, inclinou-se e beijou-a nos lábios.

Foi no tempo certo. Ele se afastou e esperou. Ela sorriu, rodando entre os dedos a sua peça e um pensamento. O olho brilhou quando entendeu. Deixou cair o último fragmento quando se aproximou dEle e apresentou o beijo que era seu.

Porque podia dizer não, dissera sim.

3 comentários:

Sara Mota disse...

Raquel,adorei. Também gosto de escrever. Mas acho incrível como vc consegue passar a idéia com frases curtas e simples. O texto ganha elegância e fica muito interessante. Menina...adorei!

Henrique disse...

Também gostei! Fiquei curioso. bj, Henrique.

Luciana disse...

Lindo, Ana! Especialmente a última frase. :-)