terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ninguém merece o morno


Faz tempo que penso na tênue linha que une os opostos. Há meses que percebo que os extremos andam de mãos dadas. Começou, na verdade, quando vi os efeitos da quimioterapia a que minha tia se submeteu. Causava-lhe mais dor justamente aquilo que podia curá-la (tia V. não sentia náuseas, mas dores por todo o corpo que nenhuma medicação aliviava). Daí a fazer generalizações para o momento que eu vivia foi bem simples. A verdade que mais machuca é a que mais liberta. O maior não que a gente recebe pode ser o maior sim para nossa vida. Perdas e ganhos.

Na verdade, essa ideia não é nada nova. Não foi Sócrates quem disse que, se a democracia era capaz de fazer o maior bem, estaria também apta a executar o maior mal? Caso não tenha sido ele, desculpem a falha de memória, porque já vão anos desde que tive aulas de filosofia. Seja como for, é interessante perceber essa relação: numa balança, um prato só sobe ao máximo quando escolhemos o peso que leva o outro mais rente à base.

Não é que tenhamos de viver de opostos, mas me parece que precisamos ter coragem de bancar os extremos. Viver é uma relação de dor e prazer. Como a tendência mais saudável do ser humano é não ser masoquista, o prazer é o nosso objetivo. Ocorre que, no momento em que nos arriscamos a buscá-lo, fazemos exatamente isso: arriscamos. Pode ser que o resultado de nossa busca seja a dor. Pode ser que não. Mas um ou outro só foi encontrado porque uma escolha foi feita e um risco foi assumido.

Não se desafiar é uma forma de não bancar extremos, mas também é quase vegetar. A vida fica muito cômoda, e por isso muito limitada. Uma potencialidade deixa de ser explorada. E todos perdem com isso. Perde a pessoa que não se descobre, perdem as pessoas que a rodeiam.

Nessas horas, quando penso o que há de vida para ser vivida, dá vontade de sair rasgando com unhas e dentes muita coisa à minha frente. Destruir para construir. Sentir o incômodo de sair da zona de conforto para colher o que de melhor me é reservado. Encarar os altos e baixos, que isso é vida, que pulsa, que não espera, que pede que a gente saia na chuva para se molhar, que a gente aceite o frio para conhecer o quente.

Porque, afinal, o morno ninguém merece.

2 comentários:

Anônimo disse...

Teus textos estão cada vez melhores!
Bjo
ICL

Luciana disse...

Adorei, Ana.

O desconforto de correr riscos é certamente muito mais interessante e empolgante do que esconder-se da vida. Em algum momento, a gente cansa, dá um grito de independência e simplesmente vai.