Depois de ver Dúvida, tinha apenas uma certeza: é um bom filme. De resto, prevaleceu a sensação de não saber. Não saber se o padre Flynn era inocente, não saber se a irmã Aloysius estava certa em seu julgamento, não saber se a mãe de Donald Miller agiu corretamente.
Não saber como redigir o post que queria escrever para esse filme.
Após a leitura de algumas resenhas, a ficha caiu. Era tão óbvio. O propósito do filme é este: deixar em dúvida. Não há como ter certeza, porque o longa foi concebido para fazer o espectador duvidar.
Para quem não conhece o enredo, aqui segue uma sinopse pinçada lá do Cinema em Cinema, em mais uma excelente crítica de Pablo Villaça:
A grande questão apresentada pelo texto impecável do também diretor John Patrick Shanley (inspirado em sua própria peça) gira em torno da natureza da relação entre o padre Flynn e o jovem Donald Miller (Foster): depois de ver o sacerdote colocar uma camisa no armário do garoto, a inexperiente freira Irmã James (Adams) alerta sua superiora, a madre Aloysius (Streep), que imediatamente conclui que algo terrível está acontecendo, decidindo impedir que o padre continue a “fazer mal” aos alunos da escola comandada por sua igreja. Ambientada em
Agora que escrevo e me lembro das minhas reações durante o filme, fico impressionada com a vacilação em que me percebi. Isso ocorreu porque vários fatos podem ter mais de uma interpretação. A dúvida principal diz respeito à conduta do padre Flynn, é certo. Mas ela existe porque tudo o que é passível de ser considerado como prova de sua culpa pode igualmente ser interpretado a favor de sua inocência. Donald Miller olha com adoração para o padre Flynn porque o sacerdote é o único que o acolhe ou porque o garoto foi seduzido pelo religioso? Padre Flynn fala tão fervorosamente de compaixão pelos erros dos outros porque é compassivo ou porque busca redenção para seus próprios desvios? E mesmo que seja verdade a segunda hipótese, como garantir que sua trangressão é a pedofilia, e não simplesmente uma crise de fé ou um relacionamento com uma mulher? Há vários motivos para justificar a ira de Flynn ao saber que a irmã Aloysius pesquisou seu passado, desrespeitando as regras ao falar diretamente com uma freira e não com o pastor da paróquia em que Flynn servira anteriormente. Há vários motivos, inclusive o medo de ser exposto como o pedófilo que é, mas simplesmente não há como sabermos.
É ainda fascinante constatar toda a ambiguidade que o filme instaura ao desenrolar-se justamente dentro de um universo em que imperam dogmas, em que o maniqueísmo vige. Na Igreja Católica, pelo menos nos moldes em que fui criada, não há muito espaço para tons de cinza e meio-termos. Pelo contrário, existiram muitos brancos ou pretos e extremos. Em Dúvida, porém, há ambiguidade em tudo. Melhor dizendo, há relativização em tudo. Até irmã Aloysius, conservadora, seca, inexorável, é capaz de atos de compaixão com uma colega que está perdendo a visão.
No entanto, a maior relativização é demonstrada na reação da mãe de Donald Miller ao ser comunicada das suspeitas acerca da relação entre seu filho e o padre. Esse assunto já foi muito bem tratado pelo Aluízio nesse post do Galera_D. Vale a pena lê-lo.
Assim como vale a pena assistir a Dúvida, um filme que causa tensão apenas com diálogos, que trata ainda de outras questões da Igreja, da sociedade e do indivíduo e que apresenta um grande elenco e excelentes atuações.
Por fim, para ilustrar o que falo acerca de atuação, transcrevo aqui um segmento da resenha de Pablo Villaça em que elogia o trabalho de Philip Seymour Hoffman:
E é aí que Hoffman, um ator inteligentíssimo, começa a plantar pequenas sementes de dúvida através de sutilezas brilhantes em sua composição [...] E o que dizer do fantástico momento em que, ao negar a acusação, ele sacode levemente a cabeça num gesto afirmativo, como se desmentisse a si mesmo sem reparar?
No filme, isso ocorre neste momento:
Realmente impressionante, não?
Um comentário:
Ué, acho que só eu não ficou na dúvida no final... Devo estar errado...
PS: A cena final é lindíssima...
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