domingo, 29 de março de 2009

Arquivo X - Eu Quero Acreditar



O filme estreou no segundo semestre do ano passado. A verdade é que demorou tempo demais para ser filmado e lançado. Até dois anos após a série ter acabado, ainda sonhava em ver Fox Mulder e Dana Scully em um cenário inédito. Depois, depois, muitos anos depois... bem, até que tentei vestir a camisa de fã e ver o filme na estreia, mas aí as semanas passaram, e assisti quando já havia apenas um horário de exibição do longa. Não me empolguei.

Ontem, em virtude da minha única compulsão conscientemente reconhecida, comprei o DVD. Agora pude comparar com as resenhas que havia lido. A maioria detonou acertadamente o roteiro. Explico por quê.

Durante toda a série, Chris Carter, o criador, oscilou vertiginosamente nos episódios que escreveu, o que me faz especular se possui talento ou somente sorte/azar quando escreve alguma coisa. Se se tratar da segunda hipótese, ele teve muito azar quando compôs o enredo do filme ainda que contasse com a ajuda de Frank Spotnitz, outro roteirista do seriado. Aliás, talvez o problema se encontre justamente aí: as escolhas que Carter fez desde o início. Todo fã de carteirinha sabe que, dos roteiristas, Vince Gilligan em regra escrevia os episódios mais tocantes porque sempre referentes à relação entre Mulder e Scully e à natureza humana. No filme, aquele lance todo de vidente enlaçado com cientistas russos e troca de corpos... Isso cheira mesmo à dupla Carter & Spotnitz.

Chega o momento: se alguém ainda quiser ver o filme, aconselhável parar por aqui. Alerta dado, vamos em frente com a criatividade(?) rídicula(!) de Carter & Spotnitz. Em Eu Quero Acreditar, Mulder é procurado pelo FBI para averiguar a credibilidade de um vidente que alega ter visões acerca do rapto de uma agente federal ocorrido dias antes. Aparentemente, o vidente é a solução mais rápida e, por causa disso, a própria salvação já que o FBI corre contra o tempo para resgatar um dos seus. O grande impasse é que o vidente é um padre pedófilo, que instântanea e compreensivelmente desperta repulsa em Scully. O resto da trama principal se resume em um cara russo cuja ocupação extraoficial consiste em raptar mulheres com sangue AB negativo, entregá-las a um doutor também russo que mata as vítimas para dar partes de seu corpo ao marido do cara que sequestra as mulheres. É que o cônjuge do raptor se encontra à beira da morte em virtude de um câncer de pulmão. Coincidência das coincidências, foi um dos coroinhas molestados pelo padre vidente. É por isso que o padre tem as tais visões: por causa de seu crime, criou uma conexão com o coroinha, desenvolvendo até o mesmo tipo de câncer que o matará no final.

Dá pra acreditar?

Gente... Fico imaginando o que passou pela cabeça dos roteiristas. Em primeiro lugar, o vidente ser um padre pedófilo é quase sem propósito. Se os autores achavam que isso enriqueceria o drama de Scully, enganaram-se (na minha humilde opinião). Ele a incomoda porque é um pedófilo. Poderia ser um pastor, um budista, um ateu - Scully sentiria o mesmo repúdio. O conflito entre fé e ciência que sempre houve em Scully é mais bem retratado na trama secundária do filme, no embate que se estabelece entre ela e o padre que administra o hospital onde Scully agora trabalha. Disse acima "quase sem propósito" porque pode haver a finalidade de atacar a Igreja Católica. Ainda que isso seja verdade, não é o que filme se propõe, então a crítica sai mais do que pela tangente porque superficial e desnecessária.

Em segundo lugar, por que os russos são os inimigos? O que é isso? Saudades dos tempos da Guerra Fria? Só os russos poderiam ser capazes de realizar experimentos como aqueles? Ah, por que não jogaram uns alemãezinhos só para dar mais tempero também?

Em terceiro lugar, que coisa absurdamente grotesca essa ideia de costurar cabeça em um outro corpo. O risível é que parece ser sempre corpos de mulheres. O cara tem um amante homem, mas quando vai salvá-lo dando-lhe outro corpo, escolhe o de mulheres. Anda tendo dúvidas acerca de sua sexualidade, camarada Dacyshyn?

Em quarto lugar, tudo isso é RIDÍCULO!

Esses são os defeitos gritantes do roteiro. Há os menores, que se tornam inconsequentes em face dos que acabei de elencar, mas que também são irritantes. Vamos a eles.

Primeiro, Scully é quem convence Mulder a ajudar o FBI. Apela para a solidariedade dele, dizendo que, há alguns anos, poderia ser um deles que estivesse desaparecido e precisando de auxílio. Depois, ela se enerva com o que encontra (o padre pedófilo e toda a sordidez de seus crimes) para, mais tarde, simplesmente desistir. O caráter de Scully e a compaixão pelo próximo que é uma de suas características não permitem isso. Aliás, esse desejo de parar enseja o rompimento da relação com Mulder, o que acaba por revelar o verdadeiro intuito dos autores: criar um conflito entre as personagens.

Segundo, o que são aquelas insinuações de um interesse velado da agente Whitney por Mulder? Elas não acrescentam coisa alguma. Todos nós sabemos que Mulder ama Scully.

Terceiro, Scully é uma patologista. Desde quando começou a realizar operações como se fosse uma neurocirurgiã?

Quarto, há coincidências e mais coincidências. Scully acha por acaso as explicações para os raptos enquanto pesquisa o tratamento para um paciente, Mulder acha por acaso o local onde o cara russo compra o tranquilizante, Scully e Skinner acham por acaso umas caixas de correio onde estará a correspondência do médico russo. Em outras palavras, não são coincidências, mas soluções cômodas.



O que se salva no filme é o que sempre foi meu motivo de ver a série: o relacionamento de Mulder e Scully. Eu Quero Acreditar nos mostra que continuaram juntos, mas que nada é um mar de rosas. De qualquer forma, foi bom vê-los dividindo a mesma cama, conversando como o casal que são. Por mais que Pablo Villaça do Cinema em Cena questione o fato de ainda se referirem um ao outro pelo sobrenome, isso não me incomodou. É mais uma idiossincrasia que os define.

Apesar dos pesares, Carter & Spotnitz ainda deram alguns presentes aos fãs. Foi divertido ou doloroso ver certos acenos à história da série: os lápis enfiados no teto do escritório de Mulder (passatempo dele quando está entediado), a menção à Samantha (irmã de Mulder) e ao William (o filho de quem Mulder e Scully tiveram de abdicar). A cena que vem após os créditos é uma boa surpresa.

No fim, restou a mensagem: deixem Mulder e Scully em paz. As coisas têm um fim mesmo. E é melhor quando o fim é digno.



p.s.: Uma surpresa agradável foi a resenha de Roger Ebert, outro crítico de cinema do qual gosto muito. Não é que ele gostou do filme? Adorei o comentário dele sobre Mulder e Scully. Traduzindo sem compromisso, disse que "eles ainda se amam, mas ainda continuam sem acreditar que dão certo como um casal. Ou devo dizer que querem acreditar?"

2 comentários:

Garota D disse...

Como sempre digo quando me perguntam se eu gosto de arquivo x, eu sempre fui fã do John Dogget (é assim que se escreve?) nada mais... acho que vou ficar sem ver o filme, ou assistir se passar na tv...

Maddie Anni Vercelli disse...

Nossa por QUÊ não entregaram esse roteiro pra uns estagiários fazerem? Tipos ia ter zumbis, vampiros, ets, ou a mistura dos três, sei lá. Mas pelo menos ia ser divertido, acho. É realmente chegada minha fase Grey's Anatomy e Monk...