quinta-feira, 29 de março de 2012

Sobre saber e mudar


Há uma discussão recorrente entre meus amigos. Perguntam se uma pessoa menos consciente de suas falhas e condicionamentos é mais feliz do que nós, que frequentamos divãs. Há verdade na máxima Ignorance is bliss?, a gente se indaga ligeiramente em desespero por enxergar tanto e mudar tão pouco. Porque entre saber e mudar há um abismo. Capacidade de mudança, um conceito que ficou na minha cabeça a partir de uma observação do Henrique neste post, parece não ser da competência de qualquer um.

Gostei da resposta da amiga Bb para a pergunta que nos inquieta. Se não formos mais felizes, pelo menos estamos mais próximos de chegar a algum lugar. Ela tem Fé: acredita que nascemos com um propósito. Sentir a dor que acompanha a consciência de qualquer padrão ainda não transcendido nos conduz para esse propósito, ainda que não o atinjamos nesta vida. Por mais que não compre a crença da reencarnação, gosto da ideia de que as coisas tenham um sentido, e de que elas conspirem para que alcancemos nosso objetivo de vida.

Ouço esses questionamentos e penso que, ainda que nos machuque olhar para dentro com tanta frequência, o conhecimento que adquirimos com essa atividade nos permite experienciar melhor a potencialidade de nossas vidas. Esse fato aumenta nossas chances de buscar uma felicidade verdadeira. Não preciso do exemplo de ninguém mais do que eu mesma para embasar essa afirmação. Antes de 2007, eu raramente dirigia, nunca viajava, e saía com minhas tias sob a crença de que me dava melhor com adultos do que com pessoas da minha idade. Que eu estabelecia uma relação simbiótica de dependência com elas - eu preciso de vocês e vocês precisam que eu precise de vocês - isso vai sem eu dizer. Sabe o que era engraçado? Possivelmente eu me achava feliz. Aliás, o mais provável é que eu sequer me questionasse se era feliz.

Dois eventos em junho de 2007 relacionados com as minhas tias (vejam só a ironia) me levaram a procurar uma psicanalista. No momento de dor perante minha incapacidade, decidi que não podia continuar a mesma. Hoje, muitos me dizem que mudei bastante. Isso é verdade, por mais que ainda exista algo em mim que me impeça de comemorar esse fato merecidamente. Comprei um carro, saí da casa dos meus pais, tive um relacionamento relativamente duradouro, aumentei consideravelmente meu círculo de amizades, viajo para dentro e fora do Brasil sozinha ou acompanhada. Provavelmente só consegui tudo isso porque antes enxerguei onde havia entraves. Sou mais feliz? Ouso dizer que sim. Por mais que ainda haja muito a ser transformado, por mais que eu sofra em me ver inerte em tantas áreas, por mais que eu pense demais (como minhas amigas me acusam, rs), a expansão que criei me oferece mais possibilidades de ter momentos felizes.

Acredito que a gente muda. A gente nem percebe, mas muda. Acho que é porque, se entre saber e mudar há um abismo, essa transformação deve mesmo ser um salto. Não há transições: em um dado momento você funciona diferente perante uma mesma situação e pronto. Há algumas semanas, experienciei isso e guardo a lembrança como prova. Tudo em mim caminhava para uma repetição, toda minha energia convergia para me esconder dentro da redoma. Eis que, no caminho de dizer o previsível não, disse um sim, sem saber por quê, sem me convencer para tanto. E conheci uma outra realidade, e foi um bom aprendizado. A experiência se encerrou naquele episódio mesmo, mas ficou a lição: é possível. É possível saltar do saber para o mudar.

E aí? Bora pular?

:o)

quinta-feira, 22 de março de 2012

A mensagem in The Middle

Para ser sincera, já cheguei a me perguntar por que gosto de The Middle. A série é cômica, mas nem sempre seu humor funciona comigo. No entanto, assisto sempre que posso. Cogitei se isso acontece porque adoro seus personagens, mas sempre desconfiei que, na verdade, a razão estava nas mensagens de amor, aceitação e otimismo que surgem ao final de cada episódio.

Hoje confirmei essa suspeita. Como em cada capítulo do seriado, depois de vários desencontros, de exemplos de posturas politicamente incorretas, de trapalhadas mal intencionadas, surge um fato que revela o amor entre os membros dessa família e como eles superam suas imperfeições em nome desse sentimento. Este trecho do episódio de hoje me emocionou pela sua singeleza:



Lindo, não? O valor que os pequenos gestos possuem. Vida real é assim.

:o)

terça-feira, 6 de março de 2012

"A chave de casa" e "Dois rios" de Tatiana Salem Levy


Vez e outra, percebo que vejo as coisas na contramão dos outros. Com A chave de casa, primeiro livro da escritora Tatiana Salem Levy, me senti assim. Depois que o terminei, ao pesquisar um pouco sobre a autora e a obra, entendi que o livro era "sobre" a busca de uma identidade cultural. Com isso, me dei conta de que o que poderia ser considerado principal na obra foi o que vi de mais secundário.

Porque, para mim, o que sobressaia era a relação da protagonista com ela própria, com sua mãe e com o homem na sua vida. Meu olhar perdeu o macro e se fixou no micro. A chave que a protagonista recebe de seu avô e que, supostamente, a leva à Turquia em busca da reconciliação com o passado de sua família se tornou pano de fundo na minha leitura. Por outro lado, me parece que a riqueza do livro se encontra nos diálogos que a protagonista imagina com a mãe falecida, na sua tentativa de vencer a perspectiva negra que tem sobre as coisa, no desenrolar trágico de seu relacionamento.

O genial na obra é que cada elemento desse (além de outros) é explorado em uma linha narrativa própria, de modo que histórias são contadas paralelamente. Ao contrário do que se possa pensar, o leitor não se perde em meio a tantas vozes, e isso se dá graças à escrita de Tatiana. Sabemos onde estamos graças aos fatos narrados, mas também às escolhas linguísticas da autora.





Em Dois rios, a autora explora o "e se" a partir da história de dois irmãos gêmeos, Joana e Antônio, e o encontro deles com a francesa Marie-Ange. Depois de uma perda significativa na infância, os irmãos desenvolveram formas diametralmente opostas em lidar com a vida. Um se torna o inverso do outro. Marie-Ange é a oportunidade de libertação de um e reconciliação de outro. E a obra, que me lembrou On Chesil Beach de Ian McEwan nesse aspecto, mostra como o silêncio pode minar as relações.

A chave de casa me parece um livro mais vertical e lírico do que Dois rios. Gostei mais daquele do que deste, mas isso pode ser decorrente daquela questão do "primeiro livro": o primeiro livro que leio de um autor sempre me marca. No caso da Tatiana Salem Levy, coincidiu que o meu primeiro é o primeiro dela, rs. De resto, só me ocorre ainda falar de um aspecto em comum que me tocou: a inadequação da protagonista das duas obras em estar no mundo, seja pela incapacidade de ser feliz, seja pelo apego à redoma em que vive.

Parece familiar? ;o)